ENTREVISTAS
Entrevista a Manuel Costa Braz, CEO da Sun Concept
Associado do Fórum Oceano desde 2016, a Sun Concept é uma empresa portuguesa de construção naval especializada no desenvolvimento, fabricação e comercialização de embarcações de recreio e profissionais com propulsão electro solar
Alegando razões como a falta de espaço e a escassez de mão-de-obra qualificada, a Sun Concept acaba de deixar Olhão para se fixar em Setúbal. Qual é o ponto de situação atual da empresa?
A Sun Concept iniciou a sua atividade em Olhão, em 2015. Na altura, pareceu-nos ser a decisão adequada dado que alguns dos quadros importantes responsáveis pelo desenvolvimento dos novos produtos eram da zona. Arrendámos instalações que eram as adequadas na altura e tinham até margem de crescimento.
Os primeiros anos foram de desenvolvimento de embarcações de 7 metros – Sunsailer 7.0 – que, na prática, eram a grande prova de conceito que necessitávamos de ter. Foi necessário provar que as nossas ideias eram válidas e que o produto tinha todas as razões para vingar.
Mas, com este, começaram a aparecer novas necessidades e os clientes foram dizendo que deveríamos desenvolver uma embarcação de maiores dimensões. E aí, nasceu o nosso catamarã de 12 metros de comprimento que continua a ser a “estrela da companhia” – o CAT 12.0, nas suas duas versões Lounge e Cruise.
Nessa altura, foi logo verificado que as instalações onde estávamos, sendo ainda suficientes para a construção destes barcos, limitava-nos a capacidade de produção em série e, principalmente o crescimento. Já em 2019 iniciámos a procura de novas instalações, ainda por terras algarvias. Entretanto deu-se o período de Covid e todas as limitações e restrições conhecidas que, para além de ter repercussões diretas e nefastas nas encomendas das nossas embarcações, nos fez também suspender a procura de mudança de instalações. A produção estando muito restrita pela falta de procura, não justificava qualquer outra coisa.
Assim sendo, este processo só foi retomado em finais de 2021, ainda pensando em ficar no Algarve.
Mas a falta de mão de obra começou a ser muito relevante, obrigando-nos a ir procurar colaboradores fora de portas. O Brasil rapidamente passou a ser um forte país de origem de mão de obra qualificada e, juntamente com o preço pedido por instalações no Algarve que eram proibitivas e limitativas, acabaram por ditar a procura de outros locais possíveis para a nossa instalação.
Sempre procuramos ligações com Centros de Emprego, Universidades e Institutos Profissionais e de Ensino das zonas onde nos instalamos. A ligação e integração da empresa na sociedade onde se insere é sempre um objetivo prioritário da Sun Concept. Fizemo-lo no Algarve e é esse o caminho que estamos a seguir também agora em Setúbal.
O apoio que recebemos da APSS foi um fator importante na escolha de Setúbal, mesmo que, no final, tivéssemos de ter de escolher instalações privadas na zona industrial da Mitrena.
A falta de aproveitamento de infraestruturas públicas desocupadas e degradadas que poderiam ser disponibilizadas à atividade privada e dariam origem a rendimento público de longo prazo continua a ser, para nós, algo difícil de entender. Vimos isso no Algarve, como o vimos em Setúbal. É uma pena, mas é uma realidade.
Tirando esta nota, espera-se que a zona de Setúbal venha a ter um forte crescimento industrial e de atividade profissional, pelo que fez sentido para nós esta decisão.
Mas não tem sido fácil e muita mão de obra que vamos arranjando, continua a ter origem nos PALOP. Em especial do Brasil, mas agora também já com dois colaboradores angolanos com formação superior.
As exportações são responsáveis pela maior fatia do volume de negócios. Que percentagem representam atualmente e qual é a previsão para o futuro próximo?
A percentagem da faturação internacional tem sido sempre superior a 80%. Essencialmente, pelo facto de as embarcações de maior valor e preço, terem sido vendidas para o exterior. Ou seja, em número de embarcações vendidas, Portugal continua a ser o nosso maior mercado. Em faturação, já não. E esperamos que a tendência continue a ser essa – faturação superior para o exterior, mas agora também alargada aos modelos de valor mais baixo.
Que prioridades de crescimento foram definidas nesta fase e a curto prazo?
Portugal é um mercado pequeno, embora ainda com uma forte possibilidade de crescimento. Assim, o mercado europeu é o nosso grande objetivo.
Relembro que nós desenvolvemos modelos especialmente vocacionados para águas calmas. Basta ver o mapa da Europa e verificar o enorme número de lagos, barragens e rios existentes. Até mesmo só em Portugal, basta ver que o índice de penetração dos nossos produtos ainda é baixo e o turismo no interior do país tem tido crescimentos exponenciais.
Além disso, as frotas de embarcações dos operadores de MT estão, em geral, muito degradadas, oferecendo índices de qualidade muito baixos. Esta tendência terá obrigatoriamente de ser invertida se queremos ter ofertas turísticas de qualidade que proporcionam, naturalmente e, a prazo, um maior valor acrescentado das operações. Além disso, pela própria consciência coletiva dos clientes, a procura de experiências amigas do ambiente começam a prevalecer.
Basta também pensar que as limitações à utilização de motores a combustão em zonas de barragem e lagos será, naturalmente, cada vez maior pela necessidade de aproveitamento dessas águas para consumo. As restrições naturais que estão subjacentes nas novas legislações sobre questões ambientais, serão inevitáveis.
Dado o exposto, a nossa prioridade é essencialmente vocacionada para a continuação no desenvolvimento de produtos que continuem a ter os nossos conceitos de base e foram a origem desta aventura.
A Sun Concept adotou um modelo de negócio ESG como um fator de competitividade no mercado. Descreva, em traços gerais, a razão deste compromisso e de que forma contribui para o sucesso da empresa.
Criar e produzir embarcações que consigam ser completamente autónomas do ponto de vista energético. E, por isso mesmo, continuamos a indexar uma fatia importante da nossa faturação à investigação e desenvolvimento de produtos que continuem sempre a ter este desígnio e este objetivo.
A sustentabilidade tem, para nós, um âmbito muito mais alargado que a ambiental. Questões de sustentabilidade social são deveras importantes e suportam também a ambiental. Não podemos esperar que populações que têm carências primárias por resolver, se preocupem com questões ambientais. Assim, será também necessário que os produtos desenvolvidos resolvam também eles parte destas próprias carências. É com esta base de raciocínio que tentámos criar produtos que podem vir a ser aproveitados para dar apoio e suporte a populações pobres em várias zonas ribeirinhas do globo. Basta pensarmos em zonas onde populações, embora estejam próximas de rios, não tem capacidade de mobilidade para se poderem deslocar a zonas civilizacionais que, por vezes e por rio, estão a uma hora de distância, mas que, por terra, demoram dias ou semanas. As nossas embarcações não necessitam de algo mais que sol para terem energia para se deslocarem. E nessas zonas, sol não falta, é gratuito e á disposição de todos. Basta pensar que essas embarcações, sendo de dimensão média (até 9 metros) foram desenvolvidas para poderem, de forma simples, serem configuradas para transportar mercadorias, pessoas, doentes, macas, etc. Podemos inclusive desenvolver estações de carregamento intermédias que podem solucionar, também elas por si, energia suficiente para poderem, por exemplo, por a funcionar bombas para tirar água de poços, a meios de comunicação que possibilitem crianças ter aulas à distância, etc, etc. Isto, para além de serem estações de carga extra para as nossas embarcações quando necessário.
A imaginação pode levar-nos a muitas outras utilizações que vão muito para além do que normalmente nós nos dedicamos a falar por cá.
As nossas embarcações foram desenvolvidas para fazer face a várias necessidades e acompanhar as diversas fases da sociedade. Do ponto de vista de operadores turísticos, claramente poderão ter um produto diferenciador que, em operação, respeita a natureza e o ambiente onde navega pela ausência de fumos, barulho e que, pela baixa movimentação das águas que provoca quando navega, incomoda muito pouco a fauna marítima.
A adicionar a tudo isto, com uma utilização muito económica já que não têm custo de combustíveis a considerar e as manutenções são reduzidas.
Em utilização privada, a mesma lógica ambiental prevalece, já que a económica existe, mas será menos relevante pelo menor índice de utilização. Mas como referi acima, quem gosta de navegar em zonas protegidas ou a proteger no futuro, terá naturalmente de ter em atenção a forma como o faz.
Temos assim já uma gama de produtos que abarcam várias utilizações, algumas nas versões Lounge para MT e Cruise para charter e uso privado.
De recreio – EVO 7.0 nas versões Lounge e Cruise; CAT 12.0 Lounge (aberto e fechado) e Cruise
Profissional – Passenger 9.0 aberto e fechado; Oyster 9.0
Turismo – Homeboat 9.0
Quais são os objetivos para o futuro?
Os objetivos estão bem definidos e serão sempre baseados nos princípios já referidos. Desenvolver novos produtos que acompanhem o cumprimento destas necessidades, sempre com um índice de qualidade e inovação que nos orgulhe como empresa e como país. Temos um plano de negócios arrojado para os próximos 5 anos que tudo faremos para que seja cumprido e que passa, naturalmente, por áreas importantes de investimento:
— Inovação e desenvolvimento: de novos produtos; melhoria dos métodos de construção; utilização de materiais ecológicos; produção energética
— Internacionalização
Tudo isto sem nunca perder de vista o nosso lema: “Tudo o que fazemos hoje, será o nosso legado para as gerações futuras.”